Ça Roule (Compilação Antológica)

O relógio se morfa em uma pasta líqüida e atinge suas cócleas com menos do que um toque de graça.
Com mais do que um sutil toque de alarme.
Com menos do que interesse.
Com mais do que distração.
Com menos do que intencionalidade.
Com mais do que propositalidade.
Era só eu e você e você e eu e você me sugando.
Com canudos nas veias.
Com veias vazias.
Com vazios cheios de nada e extraindo o máximo do mínimo e o mínimo já não era mais pouco que a metade do nada.
Olhos secos extraindo o máximo do nada.
Olhos molhados extraindo o mínimo de tudo.



Anestesista

Com um bisturi, corta a minhoca de si mesma
Cada metâmero isento de dor
Cada fístula drenada de pus
Toda experiência incompleta


Uma aranha pulou do seu cabelo
Tudo bem, eu disse
Cabelos negros como asas de corvos
Seus folículos capilares deslocavam-se ao vento
Um besouro pulou do seu cabelo
Está certo, eu disse
E continuei acariciando os fios macios
Uma formiga
Uma mosca
Um classe inteira de himenópteros
Drosófilas
Genes DAF3
O que é certo?, eu disse
O senso estético encoberto
Enquanto esperava por ouro, teve a maleabilidade de uma pedra
O exo-esqueleto de um inseto.


Apenas de saber que você está respirando em algum lugar agora
Eu gostaria de preencher as horas com o som da sua asfixia
Sonoridade suave, violino para as cócleas


Testemunha do relógio
Da cronologia
A consciência é como uma toupeira de máquina de jogos
Que você soca até ela não mais aparecer
Estou mole, sou um purê de batatas, uma gelatina em constante mutação
Um freezer clama minha existência


Você fecha sua cicatriz sem nem ao menos abri-la
Costurar os pontos em exclamações
Efusões de inflamações
A necrose, integração do seu abscesso
Com seu canal condutor
Êxtase e torpor


Foramen Magnum

Não veio de onde retornou e não retornará para onde veio
Não havia visto quando veio, não vaza mais de meu bulbo raquidiano
Acessório de meus nervos até minhas vértebras
É mais (pro)fundo do que eu
É mais raso do que posso (querer) ser
Não há parte de mim em você
Eu sou apenas a partícula de segurança que transita a sua insegurança em mim
A minha insegurança transferida em mim
E agora está vazando de mim
Uma flor deformada
E este líqüido gangrenando
E esta gangrena dissolvendo.
Dissolvendo.
Dissolvendo.
Seus ossos cranianos.


Ora, você é uma puta.
Quero acreditar que assim seja, que você nada mais seja do que uma puta de uma rameira.
Uma puta de uma rameira, uma puta de uma meretriz, uma puta de uma puta de uma puta.
Quero evitar aquilo que você teria potencial de representação, então decidi aproximar o potencial entre a transição do perder e a indiferença – no wait, há uma transição at all?
Torna-se indiferente por aquilo que se perde, eu disse.
Nunca tivemos comunicação.
Aos poucos torna-se algo não mais soturno, não mais mórbido, não mais que uma sensação impermanente.
Você é uma puta de um forame, um fucking canal de comunicação entre minha satisfação e pulsão da morte.
E foi apenas para isto que seu potencial de representatividade foi efetivo.
Eu disse.
Você é uma puta, eu disse.
Você era um canal de incomunicação, hoje você faz parte da Fundação de Cemitérios Indígenas em minha memória de longo-termo.
Ou eu posso ser um tupinambá, mas deveria esvaziar-te então de teus conteúdos intestinais.
Comunicação entre a boca e a bunda.
Eu disse. Você não é válida, eu disse.
Acendi meu cigarro e fui ao banheiro.
Mas minha boca não se comunicou com minha bunda.
Não aborte algo antes mesmo de senti-lo.


Não
Quero mais
Meu cu
Solto pelas florestas
Sem perspectiva de fundo
Sem convites agradáveis
Apenas com unhas
E vermes
acessando o ouro


Meus imperativos de gosto e consciência
Interpretam a realidade que me captura
Meus imperativos de agressão
Capturam a realidade que me interpreta
M de minha imperatividade
Arranham
M de mordem
M de Morte


Você significa mais que nada
Mais que indiferença
Bem, isso é um problema
Eu acho que você significa
Um efeito residual
Dissonante assonância
Da taquicardia que um dia vai parar.


Não sei que merda anda acontecendo que eu ainda não me acostumei que você não foi nem sequer uma lata de pepino para mim.
Talvez um suco do Mc Donald's, que é tão ruim que chega a ser bom, com prazo de validade vencido, e que você continua tomando e obstruindo as veias com glicose, sódio, qualquer coisa insalubre.
Talvez você tenha sido uma sombra na qual eu me afoguei e parei de nadar.
Talvez você (não) tenha sido.
Tem uma orelha sua dentro da minha, ou talvez seu fígado esteja no meu íleo, jejuno ou duodeno, ou os seus dedos quem sabe estejam enterrados na membrana pleural dos meus pulmões.
Sai daqui, porra.
É o meu organismo, porra.
Pára de obstruir a minha biologia com a tua, porra³.
Os teus ombros que eu não tenho, porra.
Você tem mais de mim do que você precisa.
Libido vertiginosa
Cada tecla de piano para um dedo
Meus dedos
E eis mais uma noite gasta batendo punheta e pensando numa peça de lego mais compacta pra te substituir.


Sou um líqüido moldado pela própria projeção da moldura que me convém
Pela própria moldura projetada por mim
Pelo próprio eu que se submerge na projeção
Pela própria projeção que jaz em mim
Submirjo
na amônia
das Pessoas.


Estou cansado da exotificação psicológica
Pokémonização do ato
Não és tu um pikachu?
Somente um rato.
Digo o que eu quiser, quando sentir vontade
Und Fick Dich.


Punheta cardíaca
180 graus


Você não é uma só.

Eu vou te dividir em partículas. Até não mais reconhecê-la.

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